Da cumplicidade dos que tem filhos

24 de nov. de 2017


          A chegada dos filhos vira nossa vida de cabeça para baixo, uma reviravolta de verdade, mesmo quando são filhos planejados. É impossível mensurar, antes da chegada deles, o quanto, de fato, isso vai nos impactar.
Moldamos a casa para recebê-los e à medida que crescem vamos reformulando os detalhes para acompanhar suas descobertas e conquistas, mantendo-os seguros.
Nossa rotina exige flexibilidade, e quando se trabalha fora o jogo de cintura tem ser ainda maior.
O orçamento também precisa ser revisado constantemente... e fazendo aqui um parênteses alguém tem uma explicação convincente para me dar sobre o porque de o preço de roupas e calçados de crianças ser inversamente proporcional ao tamanho das peças?
Revivemos nossas relações familiares. Nos transformamos como pessoas!
Quando me perguntam se vale a pena ter filhos, respondo sem pestanejar: se realmente deseja, tenha! É muito bom, é a chance de experimentar um amor único e incondicional, um amor indescritível. É aprender e se emocionar todos os dias. Cada coisinha nova vai mostrar o quanto vale a pena. No entanto, sim, tem um lado que é difícil. Como em tudo na vida nem tudo são flores.
Mas é aí que descobrimos uma cumplicidade que antes desconhecíamos: a cumplicidade entre os que tem filhos! E isso vai além de cumplicidade com aqueles com os quais são teus amigos ou familiares com filhos. Falo de uma cumplicidade que dispensa palavras, ela se dá no olhar muitas vezes.
No final de semana passado vivenciei, mais uma vez, uma cena, que sempre que acontece me faz refletir e agradecer por está cumplicidade. Estava passeando em um shopping com meu esposo e meu filho, e paramos para ver uma vitrine de brinquedos, vimos ali um casal com uma menina pequena chorando e gritando... cena clássica né?! Pois bem eles estavam constrangidos e ela seguia chorando, mesmo com o pai tentando lhe explicar que não poderia levar aquele brinquedo porque era da loja. Olhei para aquela mãe e trocamos um sorriso, daqueles em que os lábios se movem discretamente, mas nossos olhos diziam: eu te entendo, sinta-se abraçada!
Antes de ter filho, via as crianças dando chiliques em lugares e públicos e pensava: meus filhos não vão fazer isso.
Antes de ter filho, via mães e pais, “armando tenda de circo” para convencer seus filhos a comer e pensava: meus filhos não vão fazer isso.
Antes de ter filho, eu dominava as teorias, mas não fazia ideia do quanto a prática exige adaptação quando se tratam de crianças de verdade e não de modelos perfeitos descritos em livros que ditam as regras do “educando meninos, educando meninas, e por aí vai...”.
Antes de ter filho, percebo hoje, o quão carregado de julgamento foram meus pensamentos e olhares sobre a realidade daqueles que tinham crianças em casa.
Mordi a língua, ou como ouvi uma expressão dia desses: “cuspi para cima e caiu na testa”.
Essa cumplicidade te permite conversar com outras pessoas que tem filhos e dizer sem medo: estou cansada, queria dormir ao menos uma noite sem interrupções (sejam por mamadas, por pesadelos, por frio...). Quando uma mãe ou um pai diz isso à alguém que não tem filhos o pensamento ou a resposta, normalmente, é “teve filhos porque quis” ou ainda pior, à os que acham que tu não ama mais teus filhos e por isso se queixa de cansaço. Mas os que tem filhos escutam isso, entendendo exatamente o que sentes. Amamos, e muito, mas continuamos sendo humanos com uma dose limitada de energia e carregados de outros sentimentos além do amor também!
Essa cumplicidade te permite olhar com ternura aos pais que “armam tenda de circo” e que enfrentam momentos de birra e chiliques em público, porque sabes que tem dias que por melhor que seu filho coma normalmente, ele vai se recusar a comer qualquer coisa; que por mais educado que ele seja, ele vai tentar te mostrar que ele tem vontades também; porque se ainda não tinha se dado conta os chocolates e embalagens destinadas às crianças ficam bem na altura dos olhos delas; e ainda por que sabes que vida de uma criança, desde que ela nasce, é marcada por “fases, crises, picos e saltos de crescimento e desenvolvimento” e isso provoca giros de 360º na vida que parecia estar se aprumando.
Essa cumplicidade faz com que entenda completamente aqueles que desmarcam compromissos em cima da hora por que o filho começou a ter febre de uma hora para outra, literalmente, estava brincando e 5 minutos depois o termômetro passa da escala aceitável. E entende também aqueles que acabam atrasando porque que cada saída de casa exige todo um ritual, o qual muitas vezes acaba demorando mais do que o previsto. É uma fralda que precisa ser trocada na hora de sair, é uma “louca” necessidade de mamar só porque viu a mamadeira sendo colocada na bolsa, é um brinquedo que precisa ser encontrado naquele momento...
É a cumplicidade que permite manterem um diálogo entre pessoas adultas mesmo ao som de canções infantis ou desenhos animados. Pegar carona em carros que tem além de cadeirinhas de segurança, tem chocolate e farelos sobre os bancos traseiros. Ou ainda empurrar o brinquedo para o cantinho para abrir espaço na sala que é mundo de faz de conta.
É a cumplicidade que te faz sentir acolhido quando ouve relatos que te fazem pensar “que bom que não é só comigo”. É uma cumplicidade que te faz sentir abraçado mesmo com um olhar.

Peço desculpas àqueles que antes julguei, e os agradeço pela cumplicidade que temos hoje! E aos que ainda não tem filhos, ou optaram por não ter, lhes entendo, mas tentem não julgar realidades tão diferentes.

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