Onde foi parar a tal empatia?

6 de mai. de 2022




Quando o mês de maio chega, as redes sociais e as vitrines costumam ser recheadas pela palavra "mãe". É presente para mãe, é o mês das mães, é homenagem para mãe, e por aí vai. Mas mãe e maternidade não são, e aqui começa nossa reflexão.


Certamente você já ouviu muitas vezes o termo “instinto materno”, bem como já deve ter ouvido outras tantas vezes o termo “empatia”. O “instinto materno” para se referir à aquele amor automático e intenso que surge na mulher assim que se vê gestante, ou ao olhar para o filho que nasce, sobre tudo aquilo que ela sabe desde sempre que precisa fazer para cuidar de um bebê, e ainda sobre o que vai obrigatoriamente desencadear o desejo de ser mãe em todas as mulheres em algum momento da vida para que assim se sintam completas e realizadas. E a “empatia” como aquela clássica do “se colocar no lugar do ouro como se fosse o outro”. Pois bem, quero aqui lhes perguntar onde foi parar a empatia quando olhamos o que estamos fazendo ao impor a manutenção do mito do instinto materno?


Sim! O instinto materno é um mito, criado para alimentar a romantização da maternidade e sustentar uma sociedade patriarcal, onde os homens precisam procriar e seguir vivendo, e mulheres precisam necessariamente ser mães e cuidar dos filhos para que os homens cuidem de suas vidas.


E aqui lhes trago algumas coisas para pensarmos sobre a criação deste mito.


Hoje temos vários estudos científicos buscaram investigar os mecanismos psicológicos, culturais e fisiológicos que movem uma mulher a se dedicar de modo tão incondicional aos filhos, e cada vez mais encontramos indicativos de que não se trata de instinto, de algo fisiológico, e sim de uma construção psicológica e cultural.


Dentre estes estudos, Gosto de uma definição acerca do instinto materno que a psicóloga Maria Tereza Maldonado, nos traz: “O instinto materno seria verdadeiro se a mulher tivesse em seu equipamento biológico algo que a levasse a amar automaticamente seu filho. E ela não tem. Algumas mulheres pensam ter, porque começam a amar seu filho ainda na gestação, se encantam só de pensar em tê-lo”. No entanto, o amor é construído no seu psiquismo. O mesmo mecanismo afetivo que acontece nas adoções, por exemplo. Para ela, “o amor precisa ser gestado”, isto é, precisa ir sendo construído e nutrido pouco a pouco.


Alimentar o mito do instinto materno é anular o fato de que querer ser mãe diz da ordem do desejo, e não de uma necessidade fisiológica.


Certamente você já ouviu, ou até mesmo já se pegou dizendo uma frase dessas em algum momento: “E os filhos vem quando?”; “Quando você vai ser mãe?”; “Como assim você não quer ser mãe?”; “Por que você não quer ter filhos?”; “E se você se arrepender depois?”; “Que egoísmo não querer ter filhos”.


É aqui que pegamos a nossa empatia e a jogamos sabe-se lá para onde!


Ignoramos a história de vida de mulheres que muito sonham e desejam ser mães, e não conseguem. Passam muitas vezes por anos tentando engravidar sem sucesso, e carregam feridas emocionais gigantes por isso. Se sentem incapazes, anormais (porque se o instinto materno existe, ser mãe é algo natural, e logo elas “não funcionam” como deveriam).


Anulamos a história de vida de mães adotivas, que movidas pelo desejo, escolheram ser mães e amam seus filhos gestados na lista de espera pela adoção.


Ridicularizamos a história de vida das madrastas, que muitas vezes acolhem e cuidam de filhos que não foram por elas gerados, mas escolhem amá-los e cuidá-los como se fossem seus. E que precisam ainda enfrentar o preconceito gerado por outro mito criado socialmente, o de que toda madrasta é má, e vai odiar seus enteados.


Jogamos no lixo a história de vida de famílias construída de “recasamentos”.


Invalidamos a história de vida de mulheres que decidem não ser mães. As colocando em um lugar marginalizado, de quem é egoísta e mesquinha. As obrigamos à se justificar o tempo todo, explicando os motivos pelos quais decidiram não ser mães, como se fossem ser incompletas, frustradas e não realizadas como consequência desta escolha. Mesmo em um tempo em que está escolha é cada vez mais frequente, elas ainda são quase que condenadas como as bruxas queimadas nas fogueiras da inquisição.


Quando alimentamos o mito do instinto materno jogamos a empatia fora. Sim, mesmo aqueles que se dizem mais empáticos.


Precisamos olhar para a maternidade como um tema a ser discutido e pensado. Mãe como alguém de deseja maternar e assim o faz. E mulher como alguém que pode ou não desejar ser mãe.


Não estamos aqui dizendo que o amor materno não existe. Estamos é fazendo um convite para pensar a maternidade e tudo o que a envolve de uma outra ótica.


Mais braços estendidos e menos dedos apontados. Isso é o que se espera em tempos que tanto se prega empatia.


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